Editar com o cliente, não só pelo cliente

Editar com o cliente, não só pelo cliente

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Ao longo de muitos anos de edição de textos e de relacionamento com clientes — alguns que permanecem, outros que se vão — é muito gratificante perceber que a nossa atuação profissional não é simplesmente a de prestação de serviços “para”, mas cada vez mais “com”. Editamos com os clientes, não somente para eles.

Isso acontece porque sempre tivemos a postura de informar aos nossos clientes, ponto a ponto, o motivo de nossas ações, justificando e explicando cada uma das decisões, pequenas ou grandes. Qual a regra gramatical que indica a retirada de uma vírgula da frase, ou o uso de letra maiúscula. Por que um parágrafo ou capítulo inteiro deveria vir antes de outro. Pequenas explicações que mostram ao cliente as decisões são embasadas e aumentam a sensação de confiança. O texto pode seguir carregado de comentários, mas eles são úteis para a tomada de decisão em conjunto e também como uma forma de capacitação informal.

Alguns clientes nos procuraram para fornecimento de capacitação ou treinamento formal em redação ou edição de texto, o que fizemos com grande gosto. Mas a grande maioria tende a nos procurar para serviços que nós prestamos “a eles”, individualmente ou em times, na edição de texto. Ainda que esperem simplesmente correções, o que recebem é um pouco mais.

A qualidade dos originais que recebemos para trabalhar varia muito, o que faz com que o nível de intervenção em cada texto também varie, de uma simples revisão gramatical até a reestruturação ou edição completa de textos. O curioso e gratificante é ver o crescimento pessoal dos clientes a cada texto produzido em sequência.

A cada artigo científico que recebemos de um mesmo cliente, vemos que a estrutura e a clareza de exposição de ideias melhora — o que nos dá espaço e tempo para ir mais fundo em questões metodológicas e de conteúdo. A cada capítulo de teses e dissertações, quando trabalhadas aos poucos, vemos que os erros mais comuns são corrigidos e que os textos chegam mais “limpos”. O autor vai aprendendo a comunicar de forma mais eficiente e correta.

Essas interações favorecem reflexões e tomada de responsabilidade sobre o formato dos textos: apresentamos as regras, algumas mais rígidas outras mais embasadas no uso comum, e convidamos o cliente a tomar uma decisão (corajosa) a respeito delas. A opção por uma ou outra forma sempre é uma renúncia, e esta precisa ser esclarecida. Amadurecer como autor é tomar essas decisões de forma consciente.

É por essas e outras razões que tomamos a decisão, algum tempo atrás, de não trabalhar em “simples traduções” (inglês-português e vice-versa) sem edição de texto e “simples revisões gramaticais”. Esse tipo de trabalho, que respeitamos, não dá a liberdade para a interação humana e aprendizado mútuo que a edição de textos junto com o cliente proporciona, e que é, para nós, muito mais prazeirosa e produtiva para todos.

Alguns podem argumentar que esta não seria uma decisão empresarial sustentável, na medida em que os clientes aprendem a fazer por si mesmos e abandonam a necessidade de nos contratar. Nós estamos confidentes, no entanto, de que é o contrário. O que temos visto é que, primeiro, os clientes passam a ter mais confiança em nosso trabalho, o que representa indicação para outros clientes. Sempre existe demanda.

Além disso, em suas atuações acadêmicas, esses clientes fiéis evoluem para serem orientadores e professores e encaminham seus orientando e alunos para nossa consultoria. Melhora a vida deles e a dos alunos.

Segundo, eles passam a entregar textos de melhor qualidade para nossa revisão, o que reduz a carga e permite atuações mais aprofundadas e produtivas. Num texto cheio de pequenas correções de digitação ou gramaticais, não é possível fazer questionamentos mais aprofundados.

Por fim, ainda que a quantidade de trabalho reduza, a fidelidade aumenta, e temos clientes trabalhando conosco de forma contínua há 15 anos.

Patricia Logullo é doutora e meta-pesquisadora no Centre for Statistics in Medicine (CSM) na University of Oxford, Reino Unido e medical writer certificada pela International Society of Medical Publication Professionals (ISMPP). Além do Doutorado em Saúde Baseada em Evidências (pela UNIFESP), também é mestre em Ciências da Saúde (pela FMUSP) e Jornalista Científica (pela UNICAMP).

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