40% dos dados não são publicados
Acabamos de retornar da Coreia, onde participamos do Colóquio da Cochrane, uma instituição devotada à produção evidências de qualidade para a tomada de decisões em saúde. A Cochrane produz revisões sistemáticas da literatura médica, e alerta: mais de 40% dos dados produzidos por pesquisas no mundo todo na área de saúde simplesmente não são publicados.
Essa enorme quantidade de dados fica engavetada por vários motivos: dificuldade dos autores de escrever e publicar os artigos, barreiras de língua, falta de exigência ou de monitoramento por parte dos organismos que financiam a pesquisa, falta de apoio para a publicação… para desespero dos autores de revisões sistemáticas, que ficam sem matéria-prima para trabalhar. Os artigos não publicados são um grande ponto de interrogação para os autores das revisões. A Cochrane tem discutido em profundidade esses temas.
As revisões sistemáticas e as metanálises produzem sínteses que ajudam as pessoas, seus médicos e os gestores em saúde a tomar decisões sobre procedimentos como novos métodos de tratamento, prevenção ou diagnósticos. O que é que realmente funciona? Só que, se os dados não são publicados em artigos, como revisá-los? Talvez a tendência de realizar metanálises de dados de participantes individualmente (IPD) seja uma luz no fim do túnel.
Os dados individuais só podem ser revisados e incluídos nas metanálises se forem publicados em bases de dados públicas. Isso significa que, cada vez mais, as revistas e as instituições de fomento de pesquisas em saúde vão passar a exigir (e algumas já estão exigindo, como por exemplo a revista PLOs) que os autores publiquem os dados individuais de seus pacientes (claro que com identificações ocultas) em bases de dados públicas. Assim, outros pesquisadores, no mundo, podem acessar essas informações para realizar análises adicionais, mesmo antes da publicação dos artigos em forma de texto.
Os autores precisam estar atentos a essa tendência: manter bancos de dados (planilhas) formatados adequadamente e publicar esses dados em bases eletrônicas, que já estão disponíveis, é uma forma de demonstrar transparência e postura colaborativa. Quando e se a revista exigir, os dados já estão lá, prontos para qualquer escrutínio.
Essa tendência se segue à exigência, também cada vez maior, de registros de estudos clínicos a serem iniciados ou em andamento em bases como clinicaltrials.gov ou o brasileiro ReBEC (Registro Brasileiro de Ensaios Clínicos). Já não é mais possível publicar um artigo sobre um estudo clínico sem ter antes registrado o estudo. Após a publicação do artigo científico, o autor deve também registrar os resultados na mesma base onde registrou o protocolo do estudo.
Estamos atentos a isso e temos recomendado, a nossos clientes, que façam esses registros (de protocolos ensaios clínicos e de dados individuais dos pacientes). A cultura será difícil de mudar, e teremos de nos acostumar… Caso contrário, a dificuldade de publicar vai ser cada vez maior.