Objetividade total na avaliação por pares: existe?
Nos últimos anos, por força e pressão principalmente do Comitê Internacional de Editores Científicos (ICMJE), tem havido maior objetividade e ética nas avaliações por pares feitas pelas revistas. Ao instituir normas comuns de redação de artigos científicos (e estamos aqui falando das revistas biomédicas), o ICMJE e a rede Equator fizeram com que as instruções para autores ou normas das revistas se tornassem cada vez mais claras e baseadas em critérios objetivos. Esse é um processo em andamento, positivo, e que ainda está longe de se concluir, mas está acontecendo: as revistas estão cada vez mais claras no que exigem e cobram na hora em que recebem um artigo para publicação. Porém há um detalhe que não pode ser ignorado nesse cenário: o editor.
O editor é o que se chama de “gatekeeper” das revistas, o “guardião do portão”. Quando um artigo é submetido para publicação, o primeiro a avaliar seu escopo e pertinência é o editor. Ele tem a responsabilidade de dar o tom da revista e estabelecer um padrão de qualidade e o escopo de abrangência da publicação, portanto é ele que, ao “bater o olho” num título e num resumo de artigo submetido, toma a primeira decisão: recuso ou envio para revisão?
Essa recusa tem que acontecer quando o artigo foge do escopo da revista: um periódico da área de biologia molecular não vai se interessar num artigo sobre exercício físico, para dar um exemplo exagerado. Da mesma maneira, uma revista de saúde pública não vai publicar um estudo experimental em laboratório. Mas uma revista de ortopedia pode, sim, publicar um artigo que envolva coagulação sanguínea, porque isso interessa aos cirurgiões. Os autores têm como prever e prevenir uma recusa como essa (“fora do escopo”) simplesmente consultando o escopo da revista, que está descrita nas normas. O que o autor não tem com prevenir nem como prever é a parcela de subjetividade na decisão do editor.
Ao olhar pela primeira vez um título de um artigo submetido para publicação o editor pode, com certeza, tomar a decisão de recusá-lo não por ser um manuscrito mal redigido ou por estar fora do escopo da revista, mas simplesmente porque, pessoalmente, aquele “assunto” não interessa ao editor, não lhe desperta curiosidade. Pior: pode ser que o próprio editor ou seus colegas estejam envolvidos em pesquisa semelhante, que deveria, a seu ver, ter prioridade na publicação.
É bem verdade que as revistas hoje recebem muito mais do que publicam. Os editores se apóiam nessa “justificativa” para recusar os artigos: “conseguimos publicar somente 25% do que recebemos”, respondem. Mas a verdade é que eles poderiam (podem) publicar muito mais do que publicam considerando que hoje grande parte das edições está se tornando 100% eletrônica ou quase isso. Não é mais tão grande a pressão do custo da impressão (tanto financeiro como ecológico). Portanto, “espaço” não seria problema. Ou, pelo menos, o espaço físico.
Sim, muitos artigos ainda são recusados por motivos “políticos”, e não há como negar isso na nossa prática diária de submissão de artigos científicos para revistas das mais variadas especialidades. Quando a subjetividade não está presente na avaliação pelos revisores (e contra esta ainda é possível argumentar e vencer, com cartas de resposta bem redigidas), está presente naquela primeira avaliação que os editores fazem, e que motiva o que eles chamam de “fast track“: a recusa rápida, que permite ao autor enviar o trabalho para outra revista rapidamente.